terça-feira, 17 de novembro de 2020

O que eu gostaria que alguém tivesse me dito quando comecei na carreira internacional.


 Quando estava sendo entrevistado para fazer estágio em um grande escritório de direito internacional, eu mencionei que estava estudando direito chinês de arbitragem.  O entrevistador foi rápido:

                -Isso não serve pra nada, você tem que saber só o direito brasileiro.


Foi dos PIORES conselhos que já recebi. O tempo me mostrou justamente o contrário. Se você quer trabalhar com direito internacional, é muito importante conhecer aspectos pontuais do direito dos países com os quais você vai se relacionar mais. 

Por exemplo, têm sido de muita valia para mim: 

i) o regulamento das LLCs americanas; 

ii) as leis básicas sobre formação de empresas nas Ilhas Virgens Britânicas; 

iii) a lei de arbitragem da China;

iv) o tratado de não bitributação entre China e Hong Kong. 

Um outro aspecto da profissão que eu entendia mal, e que só fico claro com o tempo, é que é preciso ser hábil para manejar a infraestrutura básica de tratados internacionais. 

Durante a faculdade você aprende a Lei Uniforme de Genebra e fica maravilhado. Ou ouve falar do Pacto de San Juan da Costa Rica e já se acha um gênio. Quando eu estava me formando, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar estava caindo muito na prova da OAB e era moda. 

Mas, no dia a dia, os tratados não servem para mostrar erudição ou para passar na prova. Eles são realmente mecanismos práticos que você tem que usar e precisa conhecer. 

Um destaque especial vai para a Convenção de Haia da Apostila, que foi absorvida pelo Brasil mais ou menos recentemente. Ela determina os requisitos de validade de muitos documentos estrangeiros e é absolutamente fundamental para os procedimentos abertura de empresas com sócios do exterior e para a averbação de casamentos e divórcios. 

Há uma ou duas dúzias de tratados desse tipo que serão mantidos junto ao Código Civil do internacionalista como leis fundamentais.

Um conselho que eu recebi um pouco tarde, mas que me ajudou muitíssimo veio de um CEO de uma multinacional, pai de uma grande amiga. Ele disse: “saiba tudo sobre finanças”. 

Quando algum estudante me aborda, esse é o primeiro conselho que eu sempre dou. Saiba tudo sobre finanças. 

A materialização desse conselho consiste em dominar, por exemplo: 

i) Regulamentação e custos de contratos de câmbio (IOF, etc.);

ii) Tributação sobre operações financeiras (PIS/COFINS, IR sobre ganho de capital);

iii) Saber calcular juros e retorno sobre investimento;

iv) Saber o básico sobre “valuation” de empresas;

v) Entender preço de emissão de ações, cotação de ações em bolsa e o funcionamento de investimentos em fundos de investimento.

Não posso dizer que me faltou saber o básico sobre vendas e marketing, porque eu sempre fui muito preocupado com essa área e procurei aprender o mínimo necessário sobre vendas para poder vender meu trabalho sem depender do patrocínio ou prestígio de um grande escritório. 

Mas, quanto à relação com o mercado, eu preferiria ter tido pelo menos duas dicas:


1) O mercado é pequeno, mas não é fechado. Pelo contrário, é hospitaleiro. Quando chega alguém novo numa câmara de comércio, numa associação empresarial ou numa cooperativa de exportadores,  essa pessoa será bem recebida se tiver algo bom para oferecer; 

2) Não é preciso se prender à cobrança antecipada de honorários. Mesclar honorários antecipados com participação nos resultados funciona bem. Seja criativo na hora da cobrança. 


Finalmente, eu demorei a aceitar que não há informação de qualidade no Brasil. Quem quer atuar na área tem que ler muitos sites, blogs e revistas científicas estrangeiras, ou vai passar vergonha. 

Bom, esse era o básico. Talvez  eu detalhe melhor esses pontos no futuro, contando um pouco das histórias que me fizeram amargar o desconhecimento. 

Mas, como diz o salmo, “foi bom que eu fosse humilhado”. O aprendizado se fixou muito melhor. 


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